Desde a semana passada tenho pensado muito em minha mãe, Maria Benetazzo Pacini, que aniversariava no dia 14/09. No dia 13/09, eu lhe dediquei a minha leitura e reflexão do Evangelho kardecista, que faço todas as segundas-feiras, há muitos anos.
Eu até tentei escrever este post no dia 14, mas não consegui, por isso faço agora minha homenagem a esta figuraça.
Antes de tudo, quero dizer que eu me sinto privilegiada por ter sido sua filha. E nestes dia tenho relembrado passagens de minha vida compartilhadas com essa mulher admirável que faleceu em 1972, quando eu tinha 27 anos.
Oficialmente ela estaria fazendo 101 anos, mas na verdade faria 103. E eu só soube disso há alguns anos, graças à revelação de um segredo familiar, feita por minha prima, Leda Maria Giuffrida Silva, filha de minha tia Eugênia e afilhada da minha mãe.
Contou-me ela que as irmãs Benetazzo alteraram seus registros de nascimento, deduzindo dois anos de suas respectivas datas natalícias, para que a minha tia Norma, a caçula delas, pudesse casar-se com o tio Wandick. Isto porque ele aceitava o fato de ela ser corcunda e não poder gerar filhos, mas não admitia unir-se a uma mulher mais velha - difícil compreender-se tal idiossincrasia nos dias de hoje!
Seja como for - e não sei como -, a verdade é que elas conseguiram alterar seus registros natais e assim evitaram que a sua querida irmã sofresse a frustração de não poder casar-se com seu amado, pelo fato de ela ser dois anos mais velha do que ele!
Assim sendo, na placa afixada no túmulo de minha mãe consta a data de 14/09/1909, como a de seu nascimento, pois durante toda a sua existência acreditávamos que ela nascera naquele ano. É mole?
Bem, após essa rápida digressão, voltemos a falar sobre a minha mãe.
Eu já relatei anteriormente que ela ficou viúva muito moça e dedicou a sua vida a criar seus 4 filhos. Também citei seu bom humor, sua sensibilidade, sua bela voz, seu gosto pela dança, seus dotes culinários e sua generosa receptividade.
Hoje quero estender-me um pouco mais sobre algumas características da personalidade desta virginiana, extremamente criativa, que mais parecia uma canceriana tal a dedicação com que exercia a maternidade.
Ela encarnava magnificamente bem o papel da mamma italiana, com seus vários matizes. Sabia manifestar desde o protótipo da mãe nutridora e zelosa até o da “mater dolorosa”, capaz de sacrificar-se pelos filhos.
Desdobrava-se em agradar a cada um de nós, especialmente através de suas habilidades culinárias; posteriormente isto se estendeu aos que foram se integrando á família, sobretudo aos dois netos mais velhos, Daniella e Marcelo, com quem ela chegou a conviver respectivamente, 4 e 3 anos.
Eles são filhos do meu irmão Fernando e de minha cunhada, Maria Helena, que moravam em uma das casas da família, vizinha à nossa.
Eu me lembro que quando eles se mudaram para lá, minha mãe derrubou o muro entre as casas para facilitar-lhes o acesso à nossa. Afinal, como ambos trabalhavam e ficavam fora o dia todo, eles faziam suas refeições na minha casa. E a minha mãe, ajudada por todos nós, cuidava das crianças. Lembro-me também que ela fazia todas as vontades da Daniella e quando eu a questionava ela dizia: “Sinto muito, mas não aguento ver minha neta chorar”. Além disso, munida de muita boa vontade e paciência, ela fazia massinha para a Dani brincar. E ao ver sua neta interessadíssima na massa dizia orgulhosa: “Essa menina é uma verdadeira italianinha”. Ela preocupava-se com o Marcelo, pois ele demorou a falar. Eu me lembro de vê-la fazendo simpatias, que aprendera na sua infância, para tentar agilizar esse processo.
Aliás, a sua fé em forças sobrenaturais era uma de suas facetas mais interessantes. Ela costumava contar que quando meu irmão mais velho, o Gilberto, teve poliomielite o médico dissera que ele jamais voltaria a andar. Mas ela recusou-se a aceitar o diagnóstico. Recorreu a todos os meios possíveis para reverter a situação e conseguiu. O Gilberto não só andou, mas também se formou engenheiro, constituiu família e é um homem bem sucedido, embora há quase 15 anos esteja na cadeira de rodas (mas esta é outra história).
Minha mãe não entregava os pontos com facilidade. Era uma guerreira, embora não fosse do tipo agressivo. Sua força era a da resistência, que tinha na persistência seu carro-chefe. Mas ela contava com outros poderosos recursos, tais como: a simpatia, a generosidade, o acolhimento gentil e a capacidade de atuar como pólo agregador de toda a família extensa. E como ela semeou muito amor à sua volta, também obteve uma colheita farta neste sentido.
Sensível, ela adorava ler, ouvir músicas românticas e era apaixonada pela 7ª arte. Ela nos levava, no mínimo duas vezes por semana, às salas de cinema de Santana, o bairro em que passei a maior parte de minha infância, a adolescência e o começo da juventude. Isto sem ignorar as inúmeras vezes em que íamos aos cinemas do centro para assistir aos filmes que ela tanto amava.
Seu gosto era eclético, mas posso dizer que ela tinha predileção pelo cinema italiano, sobretudo pelos filmes de Rossellini, De Sica, Fellini e Visconti. E não perdia nenhum filme com a magnífica Anna Magnani ou com os magistrais Victório Gassmann e Marcello Mastroianni. Também era fã dos dramas mexicanos, da Pelmex, com a Libertad Lamarque, dos musicais da Metro e das comédias com: Totó, Alberto Sordi, Fernandel e Cantinflas. Ela também prestigiava o cinema nacional, sobretudo os filmes produzidos pela Vera Cruz e pela Atlântida. Como boa interiorana, nascida em Piracicaba, ela não perdia os do Mazzaropi. Mas também gostava do Oscarito e da Eliana. Esta quase sempre fazia par romântico com Anselmo Duarte, mas também formava dupla com a bela Adelaide Chiozzo, que cantava, acompanhada por seu acordeão, uma música que minha mãe gostava de cantar comigo e com a minha irmã, Maria Elisa: "Beijinho Doce".
Devido à sua grande admiração por Libertad Lamarque, toda vez que ela fazia drama ou ensaiava algum tipo de chantagem emocional nós dizíamos: “Pelmex apresenta Maria Pacini em...”. Ou então: “Olha a Libertad Lamarque em ação”. Ela simulava ficar zangada e depois dizia: “Vocês brincam, mas a minha vida daria um romance”.
E ela tinha razão. Foi uma vida com muitos altos e baixos, com momentos de muito sofrimento, mas também com outros de muita prosperidade, alegria e bom humor. Aliás, creio que se não fosse seu bom humor ela dificilmente suportaria as muitas e duras perdas e provas pelas quais passou nesta vida.
A última delas foi o derrame cerebral, hoje conhecido como AVC, que a deixou paralítica e a levou embora depois de 3 meses de muito sofrimento. E eu me lembro que mesmo doente ela procurava brincar com as pessoas que iam visitá-la, sobretudo com as que lhe levavam algum tipo de presente. Ela dizia: “Por que você não me trouxe uma bicicleta para eu poder dar umas voltas?”
Por outro lado, havia momentos em que ela dizia para mim: "Filha, diga-me que isto não está acontecendo comigo. Este trapo de mulher não é a sua mãe". E eu bem que tentava animá-la, estimulando-a a esforçar-se para sair daquela cama e voltar a andar. Eu lhe dizia: "Repita comigo, mãe: Eu vou sair desta cama. Eu voltarei a andar". E ela repetia querendo, como eu, crer no milagre da cura. Mas com o passar do tempo ela foi ficando cansada e acabou não resistindo.
Seu último gesto foi o V de vitória. Foi assim que ela se despediu de nós e desta vida!
Ah, que saudade da minha mãe, minha gente!!!
Encerro com alguns links para músicas que a minha mãe gostava de ouvir e de cantar, que servem para evidenciar um pouco do perfil desta mulher inesquecível.
O 1º é para a alegre música napolitana "Comme facette mammeta", que signifia "Como a sua mãe te fez", na voz de Luciano Bruno. O vídeo mostra sua participação no programa da Hebe.
http://www.youtube.com/watch?v=nReywB1kLic O 2º remete a uma música de Totó que na realidade era um príncipe italiano. Apesar de ser famoso por suas comédias, ele é o autor dessa música belíssima chamada "Malafemmena". Minha mãe costumava cantá-la e se emocionava toda vez que o fazia.
http://www.youtube.com/watch?v=4ZnOmjj_Suw
O 3º remete á música "Anima e Cuore", que também é belíssima, mas eu optei por uma gravação relativamente recente. Trata-se de um dueto formado por Zizi Possi e Chico Buarque cantando em italiano. E o fiz porque ele resolveu gravá-la em homenagem ao seu pai, pois esta era uma das músicas prediletas dele. O 4º remete à música 'O Surdato 'Nnammuratto, que a minha mãe gostava especialmente por causa do refrão. Trata-se de uma cena do filme La Sciantosa ("A Cantora") com Anna Magnanni, cuja interpretação é de grande dramaticidade.
Eu também acrescento links para duas músicas que refletem meus sentimentos em relação à minha mãe.
O 1º remete à música "Vitoriosa" na voz de Ivan Lins, que tem tudo a ver com a minha mãe, sobretudo o modo como ela se despediu desta vida.
http://www.youtube.com/watch?v=mm48WJHb1Zw O 2º remete à música "Naquela Mesa", que Sérgio Bittencourt compôs em homenagem ao seu pai, Jacob do Bandolim. É uma belíssima gravação, com a Zélia Duncan, Hamilton de Holanda e Nilze Carvalho, que eu não conhecia. Apesar de ser a homenagem de um filho para seu pai, ela se aplica perfeitamente à relação filha-mãe.
http://www.youtube.com/watch?v=MiV8GarcHHo